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Filosofia Política - Karl Marx - Manifesto Comunista

I. Burgueses e proletários

A história de todas as sociedades até hoje é a história das lutas de classes.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação e companheiro, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante antagonismo entre si, travando uma luta ininterrupta, umas vezes oculta, outras aberta – uma guerra que sempre terminou ou com uma transformação revolucionária de toda a sociedade ou com a destruição das classes em luta.
Nas épocas anteriores da história encontramos, quase por toda parte, uma completa estruturação da sociedade em estados ou ordens sociais, uma múltipla gradação das posições sociais. Na Roma antiga, temos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores feudais, vassalos, mestres das corporações, aprendizes, servos e, além disso, gradações particulares no interior dessas classes.
A sociedade burguesa moderna, que surgiu do declínio da sociedade feudal, não aboliu is antagonismos de classes. Limitou-se a estabelecer novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta em lugar das anteriores.
A nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se, porém, por ter simplificado os antagonismos de classe. Toda a sociedade está se dividindo, cada vez mais, em dois grandes campos hostis, em duas grandes classes em confronto direto: a burguesia e o proletariado.
Dos servos da Idade Média saíram os habitantes dos primeiros burgos; a partir desta população municipal desenvolveram-se os primeiros elementos da burguesia.
O descobrimento da América, a circunavegação da África criaram um novo campo de ação para a burguesia em ascenso. Os mercados das Índias Orientais e da China, a colonização da América, o comércio com as colônias, a multiplicação dos meios de troca e das mercadorias em geral deram ao comércio, à navegação e à indústria um impulso até então desconhecido e, com ele, um rápido desenvolvimento ao elemento revolucionário na sociedade feudal em desintegração.
A organização da indústria, até então feudal ou corporativa, já não era mais suficiente para atender à procura que crescia com os novos mercados. Ela foi substituída pela manufatura. Os mestres das corporações foram suplantados pela pequena burguesia industrial; a divisão do trabalho entre as diferentes corporações desapareceu diante da divisão de trabalho no interior das próprias oficinas.
Os mercados, todavia, prosseguiam crescendo, a procura continuava a aumentar. A própria manufatura tornou-se insuficiente – o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial. A grande indústria moderna suplantou a manufatura; a média burguesia manufatureira foi suplantada pelos fabricantes milionários, chefes de verdadeiros exércitos industriais – os burgueses modernos.
A grande indústria criou o mercado mundial, que o descobrimento da América preparara. O mercado mundial propiciou ao comércio, à navegação e às comunicações terrestres um desenvolvimento incomensurável. Este, por seu turno, incidiu sobre a expansão da indústria; e, na mesma escala em que a indústria, o comércio, a navegação e as ferrovias se expandiam, desenvolvia-se também a burguesia, que multiplicava os seus capitais e compelia a um plano secundário todas as classes legadas pela Idade Média.
Vemos, portanto, que a própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de desenvolvimento, de uma série de profundas transformações no modo de produção e de intercâmbio.
Cada uma das etapas de desenvolvimento da burguesia foi acompanhada de um progresso político correspondente. Estado (ou ordem social) oprimido sob o domínio dos senhores feudais, armada e autônoma na comuna, aqui uma cidade-república independente, ali um terceiro estado tributário da monarquia; depois no período manufatureiro, um contrapeso à nobreza na monarquia de estados ou absoluta, base principal das grandes monarquias em geral, a burguesia acabou por conquistar, com o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, o domínio político exclusivo no moderno Estado parlamentar. O executivo do Estado moderno não é mais do que um comitê para administrar os negócios coletivos de toda a classe burguesa.
A burguesia desempenhou na história um papel eminentemente revolucionário.
A burguesia, onde conquistou poder, destruiu todas as relações feudais, patriarcais, idílicas. Rasgou sem arrependimento todos os diversos laços feudais que prendiam o homem aos seus “superiores naturais” e não deixou entre homem e homem outro vínculo que não o do frio interesse, o do insensível “pagamento em dinheiro”. Afogou a sagrada reverência da exaltação religiosa, do entusiasmo cavalheiresco, da melancolia sentimental do burguês nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca e, no lugar de um sem-número de liberdades legítimas e duramente conquistadas, colocou a liberdade única, sem escrúpulos, do comércio. Numa palavra, no lugar da exploração velada por ilusões políticas e religiosas, colocou a exploração seca, direta, despudorada, aberta. […]
A burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção – por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais. A conservação inalterada do antigo modo de produção era, pelo contrário, a condição primeira de existência de todas as anteriores classes industriais. A contínua subversão da produção, o ininterrupto abalo de todas as condições sociais, a permanente incerteza e a constante agitação distinguem a época da burguesia de todas as épocas precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com o seu cortejo de representações e concepções secularmente veneradas; todas as relações que as substituem envelhecem antes de se consolidarem. Tudo o que era sólido e estável se dissolve no ar, tudo o que era sagrado é profanado e os homens são enfim obrigados a encarar, sem ilusões, a sua posição social e as suas relações recíprocas. […]
A burguesia, com seu domínio de classe de apenas um século, criou forças produtivas mais massivas e mais colossais do que todas as gerações passadas juntas. A subjugação das forças naturais, a maquinaria, a aplicação da química à indústria e à agricultura, a navegação a vapor, as ferrovias, o telégrafo elétrico, o arroteamento de continentes inteiros, a canalização de rios, populações inteiras brotando do solo como por encanto – que século anterior teve ao menos um pressentimento de que estas forças produtivas estavam adormecidas no seio do trabalho social?
(MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Cortez 1998)

II. Proletários e Comunistas

[…] Censuram-nos a nós, comunistas, por pretender abolir a propriedade adquirida pessoalmente, fruto do trabalho próprio – propriedade que, dizem, constitui a base de toda a liberdade, de toda atividade e toda autonomia individuais.
Propriedade pessoal, fruto do trabalho e do mérito! Falais da propriedade pequeno-burguesa, pequena-camponesa, que precedeu a propriedade burguesa? Não precisamos aboli-la, porque o desenvolvimento da indústria já o fez e o faz diariamente. Ou falais da moderna propriedade priva burguesa?
Mas o trabalho assalariado, o trabalho do proletário, cria a propriedade para o trabalhador? De modo nenhum. Cria o capital, isto é, a propriedade que explora o trabalho assalariado e que só pode aumentar sob a condição de criar novo trabalho assalariado, para de novo o explorar. A propriedade, na sua forma atual, move-se no antagonismo de capital e trabalho assalariado. Consideremos os termos deste antagonismo.
Ser capitalista significa ocupar na produção uma posição não apenas pessoal, mas também social. O capital é um produto coletivo e somente pode ser posto em movimento pela atividade comum de muitos membros da sociedade, em última instância apenas pela atividade comum de todos os membros da sociedade.
O capital, pois, não é um poder pessoal: é um poder social. Assim, se o capital é transformado em propriedade coletiva, pertencente a todos os membros da sociedade, não é uma propriedade pessoal que se converte em propriedade social – apenas se transforma o caráter social da propriedade, que perde a sua natureza de classe.
Vejamos agora o trabalho assalariado.
O preço médio do trabalho assalariado é o mínimo de salário, ou seja, a soma dos meios de subsistência que são necessários para manter vivo operário como operário. Portanto, aquilo que o operário recebe pela sua atividade é o estritamente necessário para reproduzir a sua mera existência. […] Queremos apenas suprimir o caráter miserável desta apropriação, pela qual o operário só vive para aumentar o capital, só vive na medida em que o exige o interesse de classe dominante.
Na sociedade burguesa, o trabalho vivo é somente um meio para aumentar o trabalho acumulado. Na sociedade comunista, o trabalho acumulado é apenas um meio para ampliar, enriquecer e promover o processo de vida dos operários.
[…] Na sociedade burguesa, portanto, o passado domina o presente; na sociedade comunista é o presente que domina o passado.
[…] E a burguesia chama a supressão desta relação de supressão da personalidade e da liberdade! E com razão: trata-se certamente da supressão da personalidade burguesa, da autonomia burguesa, da liberdade burguesa.


(MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Cortez 1998)

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