XXXIX
São de quatro
gêneros os ídolos que bloqueiam a mente humana. Para melhor
apresentá-los, lhes assinamos nomes, a saber: Ídolos da Tribo;
Ido/os da Caverna; Ídolos do Foro e Ídolos do Teatro.9
XL
A formação de
noções e axiomas pela verdadeira indução é, sem dúvida, o
remédio apropriado para afastar e repelir os ídolos. Será,
contudo, de grande préstimo indicar no que consistem, posto que a
doutrina dos ídolos tem a ver com a interpretação da natureza o
mesmo que a doutrina dos elencos sofísticos com a dialética vulgar.
XLI
Os ídolos da tribo
estão fundados na própria natureza humana, na própria tribo ou
espécie humana. E falsa a asserção de que os sentidos do homem são
a medida das coisas. Muito ao contrário, todas as percepções,
tanto dos sentidos como da mente, guardam analogia com a natureza
humana e não com o universo. O intelecto humano é semelhante a um
espelho que reflete desigualmente os raios das coisas e, dessa forma,
as distorce e corrompe.
XLII
Os ídolos da
caverna são os dos homens enquanto indivíduos. Pois, cada um —
além das aberrações próprias da natureza humana em geral — tem
uma caverna ou uma cova que intercepta e corrompe a luz da natureza:
seja devido à natureza própria e singular de cada um; seja devido à
educação ou conversação com os outros; seja pela leitura dos
livros ou pela autoridade daqueles que se respeitam e admiram; seja
pela diferença de impressões, segundo ocorram em ânimo preocupado
e predisposto ou em ânimo equânime e tranquilo; de tal forma que o
espírito humano — tal como se acha disposto em cada um — é
coisa vária, sujeita a múltiplas perturbações, e até certo ponto
sujeita ao acaso. Por isso, bem proclamou Heráclito que os homens
buscam em seus pequenos mundos e não no grande ou universal.
XLIII
Há também os
ídolos provenientes, de certa forma, do intercurso e da associação
recíproca dos indivíduos do gênero humano entre si, a que chamamos
de ídolos do foro devido ao comércio e consórcio entre os homens.
Com efeito, os homens se associam graças ao discurso, e as palavras
são cunhadas pelo vulgo. E as palavras, impostas de maneira
imprópria e inepta, bloqueiam espantosamente o intelecto. Nem as
definições, nem as explicações com que os homens doutos se munem
e se defendem, em certos domínios, restituem as coisas ao seu lugar.
Ao contrário, as palavras forçam o intelecto e o perturbam por
completo. E os homens são, assim, arrastados a inúmeras e inúteis
controvérsias e fantasias.
XLIV
Há, por fim, ídolos
que imigraram para o espírito dos homens por meio das diversas
doutrinas filosóficas e também pelas regras viciosas da
demonstração. São os ídolos do teatro: por parecer que as
filosofias adotadas ou inventadas são outras tantas fábulas,
produzidas e representadas, que figuram mundos fictícios e teatrais.
Não nos referimos apenas às que ora existem ou às filosofias e
seitas dos antigos. Inúmeras fábulas do mesmo teor se podem reunir
e compor, por que as causas dos erros mais diversos são quase sempre
as mesmas. Ademais, não pensamos apenas nos sistemas filosóficos,
na universalidade, mas também nos numerosos princípios e axiomas
das ciências que entraram em vigor, mercê da tradição, da
credulidade e da negligência. Contudo, falaremos de forma mais ampla
e precisa de cada gênero de ídolo, para que o intelecto humano
esteja acautelado.
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