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Lógica e Linguagem - PLATÃO - Sofista

ESTRANGEIRO — O que julguei teres no espírito, ao concordares comigo. Possuímos, na verdade, para exprimir vocalmente o ser, dois gêneros de sinais.
TEETETO — Quais?
ESTRANGEIRO — Os nomes e os verbos, como os chamamos.
TEETETO — Explica tua distinção.
ESTRANGEIRO — O que exprime as ações, nós chamamos verbo.
TEETETO — Sim.
ESTRANGEIRO — Quanto aos sujeitos que executam essas ações, o sinal vocal que a eles se aplica é um nome.
TEETETO — Perfeitamente.
ESTRANGEIRO — Nomes apenas, enunciados de princípio a fim, jamais formam um discurso, assim como verbos enunciados sem o acompanhamento de algum nome.
TEETETO — Eis o que eu não sabia.
ESTRANGEIRO — É que, certamente, tinhas outra coisa em vista, dando-me, há pouco, teu assentimento; pois o que eu queria dizer era exatamente isso: enunciados numa seqüência como esta, eles não formam um discurso.
TEETETO — Em que seqüência?
ESTRANGEIRO — Por exemplo, anda, corre, dorme, e todos os demais verbos que significam ação; mesmo dizendo-os todos, uns após outros, nem por isso formam um discurso.
TEETETO — Naturalmente.
ESTRANGEIRO — E se dissermos ainda: leão, cervo, cavalo, e todos os demais nomes que denominam sujeitos executando ações, há, ainda aqui, uma série da qual jamais resultou discurso algum; pois, nem nesta, nem na precedente, os sons proferidos indicam nem ação, nem inação, nem o ser, de um ser, ou de um não-ser, pois não unimos verbos aos nomes. Somente unidos haverá o acordo e, desta primeira combinação nasce o discurso que será o primeiro e mais breve de todos os discursos.
TEETETO — Que entendes com isso?
ESTRANGEIRO — Ao dizer: o homem aprende não reconheces ali um discurso, o mais simples e o primeiro?
TEETETO — Para mim, sim.
ESTRANGEIRO — E que, desde esse momento, ele nos dá alguma indicação relativa a coisas que são, ou se tornaram, ou foram, ou serão; não se limitando a nomear, mas permitindo-nos ver que algo aconteceu, entrelaçando verbos e nomes. Assim, dissemos que ele discorre, e não somente que nomeia, e, a esse entrelaçamento, demos o nome de discurso.
TEETETO — Justamente.
ESTRANGEIRO — Assim, pois, do mesmo modo que, entre as coisas, umas concordam mutuamente, outras não; assim, também, nos sinais vocais, alguns deles não podem concordar, ao passo que outros, por seu mútuo acordo, criaram o discurso.
TEETETO — Perfeitamente exato.
ESTRANGEIRO — Mais uma pequena observação.
TEETETO — Qual?
ESTRANGEIRO — O discurso, desde que ele é, é necessariamente um discurso sobre alguma coisa; pois sobre o nada é impossível haver discurso.
TEETETO — Certamente.
ESTRANGEIRO — Não será necessário, também, que ele possua uma qualidade determinada?TEETETO — Sem dúvida.
ESTRANGEIRO — Tomemos, pois, a nós mesmos, por objeto de nossa observação.
TEETETO — E o que devemos fazer.
ESTRANGEIRO — Vou pronunciar diante de ti um discurso, unindo um sujeito a uma ação por meio de um nome e de um verbo; e tu dirás sobre o que é esse discurso.
TEETETO — Se puder, assim farei.
ESTRANGEIRO — Teeteto está sentado, será um longo discurso?
TEETETO — Não; aliás, bem curto.
ESTRANGEIRO — Cabe-te, pois, dizer a propósito de quem e sobre o que ele discorre.
TEETETO — Evidentemente, a propósito de mim e sobre mim.
ESTRANGEIRO — E este?
TEETETO — Qual?
ESTRANGEIRO — Teeteto, com quem agora converso, voa.
TEETETO — Aqui, ainda, só há uma resposta possível: a propósito de mim e sobre mim.
ESTRANGEIRO — Mas cada um desses discursos tem, necessariamente, uma qualidade.
TEETETO — Sim.
ESTRANGEIRO — Que qualidade devemos, pois, atribuir a um e outro?
TEETETO — Poderemos dizer que um é falso, outro verdadeiro.
ESTRANGEIRO — Ora, aquele que, dentre os dois, é verdadeiro, diz, sobre ti, o que é tal como é.
TEETETO — Claro!
ESTRANGEIRO — E aquele que é falso diz outra coisa que aquela que é.
TEETETO — Sim.
ESTRANGEIRO — Diz, portanto, aquilo que não é.
TEETETO — Mais ou menos.
ESTRANGEIRO — Ele diz, pois, coisas que são, mas outras, que aquelas que são a teu respeito; pois, como dissemos, ao redor de cada realidade há, de certo modo, muitos seres e muitos não-seres.
TEETETO — Certamente.
ESTRANGEIRO — Assim, o último discurso que fiz a teu respeito deve, em primeiro lugar, e tendo em vista o que definimos como a essência do discurso, ser, necessariamente, um dos mais breves.
TEETETO — Pelo menos é o que resulta de nossas conclusões de há pouco.
ESTRANGEIRO — Deve, em segundo lugar, referir-se a alguém.
TEETETO — Certamente.
ESTRANGEIRO — Ora, se não se refere a ti, não se refere, certamente, a ninguém mais.
TEETETO — Evidentemente.
ESTRANGEIRO — Não discorrendo sobre pessoa alguma, não seria então, nem mesmo um discurso. Na verdade demonstramos que é impossível haver discurso que não discorra sobre alguma coisa.
TEETETO — Perfeitamente exato.
ESTRANGEIRO — Assim, o conjunto formado de verbos e de nomes, que enuncia, a teu respeito, o outro como sendo o mesmo, e o que não é como sendo, eis, exatamente, ao que parece, a espécie de conjunto que constitui, real e verdadeiramente, um discurso falso.
TEETETO — É a pura verdade.
ESTRANGEIRO — E então? Não é evidente, desde já, que o pensamento, a opinião, a imaginação, são gêneros suscetíveis, em nossas almas, tanto de falsidade como de verdade?
TEETETO — Como?
ESTRANGEIRO — Compreenderás mais facilmente a razão se me deixares explicar em que eles consistem e em que diferem um dos outros.
TEETETO — Explica.
ESTRANGEIRO — Pensamento e discurso são, pois, a mesma coisa, salvo que é ao diálogo interior e silencioso da alma consigo mesma, que chamamos pensamento.
TEETETO — Perfeitamente.
ESTRANGEIRO — Mas a corrente que emana da alma e sai pelos lábios em emissão vocal, não recebeu o nome de discurso?
TEETETO — É verdade.
ESTRANGEIRO — Sabemos, além disso, que há, no discurso, o seguinte...
TEETETO — O quê?
ESTRANGEIRO — Afirmação e negação.
TEETETO — Sim, sabemos.
ESTRANGEIRO — Quando, pois, isto se dá na alma, em pensamento, silenciosamente, haverá outra palavra para designá-lo além de opinião?
TEETETO — Que outra palavra haveria?
ESTRANGEIRO — Quando, ao contrário, ela se apresenta, não mais espontaneamente, mas por intermédio da sensação, este estado de espírito poderá ser corretamente designado por imaginação, ou haverá ainda outra palavra?
TEETETO — Nenhuma outra.
ESTRANGEIRO — Desde que há, como vimos, discurso verdadeiro e falso, e que, no discurso, distinguimos o pensamento que é o diálogo da alma consigo mesma, e a opinião, que é a conclusão do pensamento, e esse estado de espírito que designamos por imaginação, que é a combinação de sensação e opinião, é inevitável que, pelo seu parentesco com o discurso, algumas delas sejam, algumas vezes, falsas.
TEETETO — Naturalmente.
ESTRANGEIRO — Percebes como descobrimos a falsidade da opinião e do discurso bem mais prontamente do que esperávamos, quando, há bem pouco, receávamos perder o nosso trabalho, empreendendo tal pesquisa?

TEETETO — Sim, percebo.

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